Estamos de volta! Tem um monte de coisa nova e velha nessa carta. Nem vou enrolar muito. Espero que curta!
Diário da Ausência - Parte 8
RENOVE O VELHO (Duas Vezes)
E depois, vá embora sem sair
Redesenhei uma HQ de uma página. Gosto dessa historinha, o traço tem mesmo uma cara de antigo (e é, muito, o que vira um problema), mas o maior problema pra mim é que ela é bem autobiográfica e os personagens foram desenhados seguindo essa proposta. Eu não queria manter isso, tenho toda uma questão atualmente envolvendo autobiografia nos quadrinhos, que posso trazer pra cá ou pro Youtube no futuro, mas basta dizer que não me sinto mais tão confortável em fazer HQs sobre minha vida real. Se no Brasil as pessoas me conhecem há bastante tempo, talvez já tenham lido essa HQ muitos anos atrás e nem lembrem, mas se forem novos e entendem que aquilo faz referência a algo que já passou há muito tempo, funciona. Se não, é só uma história.
Aqui, eu não quero que associem essa cena e os personagens à minha vida e relacionamento atual. O que importa mais aqui é a narrativa, a cena, o que ela deixa claro e o que deixa implícito. Importa mais o que o diálogo te faz pensar e sentir do que de onde saiu a inspiração original.
Originalmente, as minhas HQs autobiográficas tinham grande influência de Eisner, Craig Thompson, Bá e Moon. Eu tinha muita coisa acontecendo que me inspirou nesse estilo de HQ, e era um tipo de terapia, de amadurecimento, ensaio, exorcismo, luto, celebração… Hoje eu sinto que consigo explorar coisas que possam ter origem na minha vida ou na vida de pessoas que conheço sem necessariamente usar as pessoas e lugares reais no desenho.
A decisão de redesenhar atende as duas questões: não ser explicitamente autobiográfica e atualizar o traço. Nesse caso, eu não mudei muito mais do que o visual dos personagens. A estrutura é a mesma e acho que é eficiente. Veja abaixo a comparação das duas versões:
Um adendo: conforme pensava nessa HQ, sabia que tinha um desafio na tradução. Como seria melhor traduzir o que ela fala? E isso tem a ver com o título também: “A arte de ir embora sem sair”, precisa indicar a relação entre sair fisicamente do local e se remover de uma situação ou relacionamento.
“The art of going away without leaving” ou “The art of leaving without going away”?
O momento que inspirou essa HQ foi logo após um término (bem antes da Monica, aliás) e acho que o diálogo foi exatamente esse (não sei, teria que consultar o diário daquela época pra ter total certeza). Então a ideia de ir embora era, na superfície, sobre ir embora da casa, mas na verdade, o “ir embora” ao que ela se refere é o fim do relacionamento.
Fiquei entre “to leave” e “go away”. Go away tem mais função de sair de um lugar, de ir embora fisicamente. Leave também, talvez seja um verbo mais elegante do que go away para a mesma ação, mas também se usa muito quando um relacionamento termina porque uma das partes se remove.
Eu não me considero tradutor, claro. Às vezes fico pensando, quando traduzo meu material, no que faria o Érico Assis, por exemplo, ou outros colegas e amigos que já tiveram experiência traduzindo HQs gringas pro português. Espero estar fazendo um trabalho satisfatório. Na semana que vem, te conto que a solução veio de um lugar… inusitado.
Falando em redesenhar, eis que na montagem do espelho do livro, vi que precisava preencher duas páginas. Lembrei de uma HQ que saiu na primeira Pieces, lá em 2009, e que funcionaria pro tema de Absence: “KDVC?”, um jogo de diagramação espelhada/invertida, com um casal supostamente se desencontrando. Coisa simples, básica, bem Pieces. Além da experiência narrativa que espelha as ações dos personagens, existe um “truque”, onde o relógio do homem marca 3:00 e o da mulher, que chega depois que ele sai, marca 2:45. Na versão original, esses elementos ficaram tão pequenos que provavelmente nem foram notados. A arte, também, é repleta de informação e texturas, informação em excesso que não acrescenta muito à narrativa ou à mensagem da HQ.
Um “problema” que pode acontecer também: a leitura é pra ser página 1 e depois, página 2, mas como os quadros ocupam espaços similares na primeira e última faixas, o leitor pode continuar a leitura de uma página pra outra na primeira faixa o que torna a leitura meio confusa.
Na versão nova, eu já comecei pensando em assumir a narrativa indo de uma página a outra com o primeiro quadro rompendo o limite da lombada. Também aproveitei pra fazer relógios mais legíveis. Decidi envelhecer os personagens (são os mesmo, mas mais velhos? Talvez.), porque praticamente todas as HQs são sobre jovens adultos (tirando a Batatinha, criança, e a Vó, idosa). E por último, fiz questão de simplificar mais o traço e propor que o lado do homem, pra onde ele vai embora, está contra a luz, nas sombras, e é a esquerda (contra-narrativa). E a mulher vem pelo lado mais iluminado, à direita, deixando o espaço para um “futuro mais brilhante”. Sei lá, poesia, rima, metáforas, vida, arte, 42 e tudo mais.
Permanece o jogo estranho dos horários. Um deles tem o relógio no horário errado? Será que eles realmente marcaram de se encontrar? Esses dois momentos acontecem no mesmo dia? O que você acha?
Veja só a comparação entra as duas versões:
— Continua na próxima edição —
O livro está em produção na gráfica, e segundo a previsão, fica pronto dia 10 e chega aqui em casa dia 12. Torcendo muito para isso dar certo, porque dia 15…
TEM EVENTO DE QUADRINHO INDEPENDENTE!
O lançamento de ABSENCE acontece na INDIE COMICS CREATOR CON, em New Haven, Connecticut!
Estou muito empolgado, não só pelo lançamento, mas por encontrar essa comunidade de novo, conectar e reconectar com autores e leitores, celebrar quadrinho independente. Estar em contato com pessoas da minha tribo é essencial e eu sempre sinto muita falta disso. Um dos convidados do evento é o Jim Rugg, autor de um dos meus quadrinhos favoritos, Street Angel. Já separei meus gibis pra ele autografar, hehe. O Jim era um dos hosts do Cartoonist Kayfabe, canal do Youtube que analisava quadrinhos. Seu parceiro era o Ed Piskor, também quadrinista, muito relevante, mas que passou por um cancelamento pesado depois de acusações de abuso e infelizmente tirou a própria vida. Os vídeos do canal ainda estão lá e são bem legais pra entender coisas do mercado americano, independente e mainstream.
Aqui vai a lista completa dos artistas:
No canal tem um vídeo sobre minha participação na primeira edição, ano passado:
DA PRANCHETA:
Já que estamos falando de Pieces e HQs curtas, que tal essa aqui, nova, inédita e que talvez venha aí num projeto futuro?
Bom, é isso! Nos falamos mais na próxima.
Para ler todas as edições anteriores:
ARQUIVO QUEBRA-CABEÇA
Valeu pela menção! E curti a tradução do título!
Cortando a reflexões textuais... Arrumando mais trabalho, Mário Cau hahaha